Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2009

A César o que é de César

 

Queres saber se a distribuição uniforme da matéria é a construção que apenas um Deus pode fazer? É e não é!” Um sorrisito gaiato aflora na face do Mário, contrastando com a pose professoral que tantas vezes assume.
 
Deixa-te disso e explica-te”, a Ana rindo-se.
 
Bem, por um lado...” o sorriso gaiato persistindo, “só um Deus teria paciência para andar a plantar átomos a distâncias certinhas uns dos outros preenchendo tanto Universo; por outro lado, não estás a ver um Deus a agir assim, pois não? Que trabalheira!”, o sorriso a crescer para a gargalhada,Nós, humanos, faríamos uma máquina; um Deus faria as leis físicas tais que assim acontecesse, portanto, isso tem de ser sempre um fenómeno «natural», ou seja, decorrente das propriedades físicas do Universo.Foi-se o gaiato, eis o Professor.
 
Bem, mas com esse raciocínio concluiríamos que não pode existir prova material da existência de um Deus! Pois se um Deus age sempre através das leis da natureza, é sempre a Natureza a causa de tudo e nunca um Deus.”
 
Claro Ana!” O Mário suspende um sorriso como quem espera uma reacção; Luísa e eu aguardamos que a Ana diga alguma coisa.
 
Mas então concluis que Deus não existe?”
 
Que ideia!!!! Sei lá se existe Deus, ou muitos deuses, ou que quer que seja que possa actuar a um nível fora daquilo que constitui objecto das leis da Física!” Mário sorri-se, fico a pensar que construiu toda esta divagação para chegar a este ponto. Luísa inclina-se para a frente, vai intervir:
 
Então, como o Papa, pensas que os domínios da Ciência e da Religião são distintos?”
 
Mário mede o que vai dizer, hesita, decide-se:A Ciência, eu sei o que estuda, mas não sei se a Ciência estuda tudo o que há para estudar. Ou seja, não sei se há coisas que não são acessíveis pela metodologia da Ciência. Coisas que não podemos fazer acontecer em laboratório, fenómenos que não podemos reproduzir. O que não quer dizer que não possamos saber alguma coisa desses fenómenos, mas não é com a metodologia científica que o saberemos.”
 
Não é? Então porquê?”
 
“Porque dependem do observador” respondo impulsivamente. O olhar do Mário devolve-me o que presumi: ele já vivera alguma experiência que as leis da física não podiam explicar. Será certamente interessante averiguar isso, e o Mário parece disponível para tal.
 
Toda essa conversa para dizeres que não sabes como se formou a estrutura em esponja do Universo! Mas tu, Jorge, tens uma explicação, não é verdade?” A implacável Luísa a colocar a conversa nos trilhos.

 

publicado por alf às 19:00
link | comentar | ver comentários (9) | favorito
Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2009

A Construção Máxima

 

Perguntas bem, como é que se formou a estrutura em esponja que as galáxias desenham, mas esse é um mistério por desvendar. Por enquanto, estamos tão confundidos como os arqueólogos que primeiro enfrentaram os hieróglifos das antigas civilizações.” Decididamente, o Mário abandonou o ar doutoral do cientista que fala para o público; a noite tem efeitos surpreendentes sobre nós, vamos perdendo as máscaras, perdendo o medo de sermos nós mesmos à medida que vamos nela mergulhando. O Mário quer partilhar o seu pensamento:
 
Hoje é inegável que os vazios esféricos são o elemento estrutural dominante e que temos de explicar a estrutura a partir do crescimento desses vazios. O problema é que não fazemos ideia nenhuma de como eles podem ter surgido. Como se iniciaram esses «buracos»? Há uma teoria que propõe a ocorrência de explosões que teriam originado umas bolhas iniciais que depois cresceram; mas o que pode ter originado essas explosões? Não temos ideia nenhuma a esse respeito. Talvez por isso, a teoria mais aceite é ainda a de que a Inflação ampliou flutuações quânticas do plasma inicial, originando anisotropias que depois serviram de «sementes» para a condensação da matéria nesses filamentos e paredes que se observam.”
 
Mas tu não acreditas nisso, pois não?” a Luísa a esgravatar na ponta deixada solta pelo Mário.
 
Não. Para começar, essa coisa da Inflação, em que o Universo teria expandido umas 1050 vezes em 10-34 segundos, e isto são apenas os números actuais, que não param de crescer a cada revisão da teoria, é completamente incompatível com toda a nossa Física; depois, não faz sentido pensar que a matéria se condensou ao longo de filamentos originando os imensos vazios que se observam; o que seria de esperar é que a matéria se condensasse em aglomerados, esses filamentos deveriam desaparecer mais depressa do que a formação de vazios; por último, como é que os vazios poderiam ser tendencialmente esféricos num processo deste tipo?”
 
E se olhares para o passado distante ainda encontras mais argumentos...” desabafei.
 
Mário olhou-me um pouco de soslaio e concordou: “Sim, a população de quasares, que são os astros mais primitivos que conseguimos observar, parece ser isotrópica, não evidência sinais da existência de nenhuma estruturação; e a observação do CMB parece indicar que a distribuição inicial da matéria era absolutamente isotrópica.”
 
Mas tu e o Jorge não disseram já que existiam umas flutuações no CMB?”
 
“A existência dessas flutuações é indispensável à única explicação que temos. Mas a verdade é que na primeira missão para análise do CMB, a do COBE, as flutuações detectadas já eram ínfimas, de 1:10 000; com a segunda missão, a WMAP, com uma resolução dez vezes maior, esse número desceu para 1:100 000. Mas nota que esse número é o limite máximo possível das flutuações iniciais. É obtido a partir das leituras do satélite, filtrando os fenómenos conhecidos capazes de alterar a radiação inicial, os quais são conhecidos com uma margem de erro grande. Ou seja:Mário cala-se por momentos, inspira, o que vai dizer parece custar-lhe como uma confissão de coisa íntima:
 
 “Nós não sabemos se existem flutuações mensuráveis de densidade na distribuição inicial, apenas sabemos que a existir não são superiores a 1:100 000.”
 
Mas então porque afirmam que existem flutuações se elas podem não existir?”
 
Porque a sua não-existência seria completamente inexplicável. Para explicar a Vida, a Ciência ainda pode apresentar o Acaso, mas aqui o Acaso já não serve. Como é que a matéria se poderia distribuir ao longo de todo o vasto Universo de forma absolutamente uniforme? Os religiosos, se consciencializassem o que isso significa, exultariam, veriam aqui a prova indesmentível duma acção divina, a construção máxima, dotada da ordem máxima, aquela que apenas um Deus poderia fazer.”
 
E não é?”
 

 

publicado por alf às 01:42
link | comentar | ver comentários (11) | favorito
Quarta-feira, 7 de Janeiro de 2009

A Estrutura em Grande Escala do Universo

 

 

 

Neste magnífico mapa representa-se a distribuição da matéria até uma distância de 1000 milhões de anos-luz; cada ponto branco representa um aglomerado de galáxias (as galáxias são demasiado pequenas a esta escala).
 
Mário tosse ligeiramente; percebo que se prepara para nos dar uma lição sobre a macroestrutura do Universo. Óptimo!
 
Como é que vocês imaginam que a matéria se distribui no espaço?”
 
Luísa e Ana entreolham-se. Mais afoita, a Luísa tacteia uma resposta: “A matéria está concentrada em Galáxias, onde se formam as Estrelas e os Planetas...”
 
Sim, Luísa, mas e as Galáxias? Como é que elas se dispõem no espaço?”
 
Como é que se dispõem? Não te estou a perceber. Estão espalhadas pelo espaço, a grandes distâncias umas das outras, pelo que tenho ouvido.”
 
Pois é, Luísa, isso é o que toda a gente pensava; que, tal como as estrelas se distribuem em cada galáxia como grãos de poeira, também as galáxias se distribuiriam pelo espaço de forma desordenada e aleatória. Por isso é que foi uma grande surpresa quando se descobriu que não é assim!”
 
Não é assim? Então é como? Não me digas que as galáxias formam figuras no espaço?” A expressão da Luísa tem tanto de fascínio como de troça, sinto-lhe a curiosidade a espreitar a medo, não vá a desilusão surpreender.
 
Quem primeiro percebeu isso foram dois astrónomos da Estónia, Joeveer e Einasto, que, em 1977, apresentaram num simpósio da IAU, organizado no seu observatório, um trabalho intitulado «Has the Universe the Cell Structure?». O nome escolhido para esse simpósio foi «The Large-Scale Structure of the Universe», terminologia que ficou desde então; em Português tem-se traduzido à letra para «estrutura em grande escala»; suponho que seja a isso que o Jorge se refere quando fala em «macroestrutura do Universo»...”
 
Sim; não será uma boa designação, pois no Universo há uma infinidade de escalas e a maneira correcta será talvez designá-las pela sua ordem de grandeza, usando os prefixos habituais. Esta organização da matéria começa a existir à escala do milhão de anos-luz e a desaparecer à escala do bilião (milhar de milhão) de anos-luz. No entanto, por enquanto, podemos dividir as escalas em apenas 3 grupos: a nossa, as muito menores que a nossa (micro) e as muito maiores do que a nossa (macro).”
 
Como as roupas: S, M e L...”
 
Haha, isso mesmo Luísa... e ainda podemos usar o XS e o XL... aqui estaríamos a falar da escala L.”
 
Mas como é essa estrutura à escala L? O que tem ela de especial?” a Ana irrompe impaciente.
 
As galáxias agrupam-se em formações muito especiais, algo que nenhum cientista previu ou imaginou; há uma mensagem do Universo que jaz encriptada nos desenhos que a disposição das galáxias no espaço traça.”
 
Ena, já pareces o Jorge a falar...”. Mário sorri-se, imagino que satisfeito com o efeito das suas palavras, e continua:
 
Imaginem uma estrutura de bolas de sabão; as bolas tendem a ser esféricas mas encostam-se umas às outras, formando paredes, arestas e pontos de intersecção de arestas, onde a saponária se acumula. Agora imaginem que nas paredes se abrem janelas redondas, estabelecendo comunicação entre os interiores das bolas. A estrutura resultante é do tipo «esponja». É esse tipo de estrutura que se observa, uma estrutura em «esponja», as galáxias formando filamentos e paredes que delimitam enormes espaços vazios tendencialmente esféricos e comunicando entre si.”
 
Gostei desta descrição do Mário. Surpreendeu-me um pouco, pois é frequente os cientistas porem a tónica nos «aglomerados», «superaglomerados», «filamentos» e «paredes» desenhados pelas galáxias, considerando os vazios como consequência secundária da condensação das galáxias nessas formações. Está a parecer-me que o Mário olha para os vazios como o elemento estruturante principal.
 
Mas como é que se formou essa estrutura em esponja? As esponjas são construídas por seres vivos, não surgem naturalmente...”

 

publicado por alf às 02:34
link | comentar | ver comentários (25) | favorito

.ATENÇÃO: Este blogue é um olhar para além das fronteiras do Conhecimento actual. Não usar estas ideias em exames de Física do Liceu ou da Universidade.

.pesquisar

 

.posts recentes

. paciência, muita paciênci...

. Listem

. A Self-similar model of t...

. Generalizando o Princípio...

. Generalizando o Princípio...

. O Voo do Pombo Correio

. A Relativistic Theory of ...

. Como modelar uma nova teo...

. A Relativistic Theory of ...

. Abstract

.arquivos

. Março 2012

. Julho 2011

. Março 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

.links

blogs SAPO

.subscrever feeds