Domingo, 24 de Agosto de 2008

Três Modelos da Nossa Ignorância

 

 

Porque é que o Ptolomeu considerava que toda a matéria estava na Terra? Ora, porque os astros brilham indefinidamente e como eles não conheciam a fusão nuclear, isso seria impossível se os astros fossem feitos de matéria!


Essa era uma razão Luísa, mas não a determinante. No tempo de Newton também não se conhecia a fusão nuclear. O que pensaram foi o seguinte: se todos os corpos caem para o chão, ou seja, parecem obrigados pela natureza a mover-se para o mesmo ponto e esse ponto é o centro da Terra, então todos os corpos do Universo estão em torno desse ponto, formando a Terra, não podendo existir em mais parte nenhuma – a Terra é o ponto de colapso da matéria.


Mário, essa era uma razão... mas não a razão determinante! Repara que esse problema, no fundo, continua por resolver, saber porque é que o Universo não colapsa, não é?


Bem, ele parece não tender para o colapso por causa da energia negra...


Ou melhor, ele parece não tender para o colapso e como ainda não encontramos a resposta para esse problema, inventamos a energia negra para contrariar a gravidade... mas estás a ver que não pode ter sido essa a verdadeira razão, pois continua sem uma solução decente...


Bem, tinha de sair mistério da tua cabecinha... diz lá.”


A razão muito prosaica é que seria impossível a matéria mover-se como parecem mover-se os astros no céu. Nessa altura, como hoje, a metodologia do conhecimento era ser fiel às observações. Os movimentos aparentes dos astros são incompatíveis com as propriedades da matéria, logo os astros não poderiam ser materiais. Foi isso que mudou com Newton.


Sim... até é possível que tenhas alguma razão... mas o que é que isso tem a ver com a tua afirmação de que o Big Bang é incompatível com a Matéria?


Mas é a mesma coisa, Mário, o Big Bang é um modelo da aparência, e os movimentos aparentes da matéria são incompatíveis com as propriedades desta, portanto o modelo não pode conter matéria e as leis físicas que conhecemos não se lhe aplicam.


Explica-te melhor, não sei se te estou a entender.”

 

 

composição do Universo agora (em cima) e quando os átomos se formaram. Imagem da NASA.

 


Estás sim. Tu sabes que o Big Bang considera que o Universo se compõe de matéria negra e energia negra, sendo a matéria ordinária apenas 4%; e que estes 4% mais não são que a matéria máxima possível dentro do intervalo de erro das medidas. Que tem vindo a descer com o aumento da precisão das medidas... E também sabes que se considera que onde há matéria a expansão do espaço, pura e simplesmente, não se aplica.


É verdade Mário?”, a Luísa incrédula.


É verdade, mas para entender o porquê disso é preciso entender as equações, este é um bom exemplo da impossibilidade de explicar a ciência aos leigos.


Estás pensar que eu sou «loira»? Olha que eu pinto o cabelo!! Isto não é a minha cor natural!”, com um riso nervoso a Luísa procura amenizar a agressividade da sua reação.


Mário, a Wikipedia diz que o modelo do Big Bang actualmente favorecido, o Lambda-CDM, é «uma parametrização útil da nossa ignorância». Acho que é uma excelente definição.


Lambda quê?


O Lambda maiúsculo, L, é o símbolo da energia negra e CDM é a abreviatura de «cold dark matter»; é um dos modelos que se podem construir com matéria negra e energia negra”, Tendo respondido à questão da Ana, o Mário faz uma pausa para pensar, tem mais para dizer.


Jorge, todos os nossos modelos podem ser definidos dessa maneira!!! O Conhecimento não é mais que a construção de modelos da nossa ignorância!


Não é bem assim. Temos dois tipos de modelos. Um, é o dos modelos que podem ser deduzidos das propriedades dos elementos físicos, como o de Newton; estes são os que podemos compreender. Satisfazem o nosso objectivo de ir compreendendo o Universo. Não é caso do modelo de Ptolomeu, nem do Big Bang, nem sequer da Relatividade. Mas notem que nenhum destes modelos está errado.”


Não está? Então o de Ptolomeu não está errado?


O modelo de Ptolomeu é uma construção matemática capaz descrever os movimentos aparentes dos astros com elevada precisão, tal como a Relatividade descreve exactamente as nossas observações e o Big Bang, como te mostrarei, também o faz – o Big Bang recorrendo à Inflação, matéria negra e energia negra, o de Ptolomeu aos epiciclos e a Relatividade ao espaço-tempo curvo. Estão todos certos nos seus resultados, são úteis, mas são modelos da nossa ignorância porque não identificam os verdadeiros fenómenos, ao contrário do modelo de Newton.”

 

A Relatividade também? Estou surpreendido, presumia-te um grande admirador do Einstein...


E sou. E do Ptolomeu e do Friedmann também. A Ciência é uma Epopeia, não é um Livro Sagrado. A nós cabe continuar a rota de descoberta e descobrirmos os fenómenos por detrás dessa aparência... sucessivamente...


E o que é que se ganha em utilidade? Se tu mesmo dizes que esses modelos são úteis...


Claro que são. Para calcular as posições aparentes dos astros continuamos a usar modelos como o de Ptolomeu, muito mais prático do que o de Newton. Mas o de Newton permite-nos fazer coisas impensáveis, impossíveis, para Ptolomeu, como as naves espaciais. Estás a ver o que se ganhou? Da mesma maneira, a compreensão dos fenómenos por detrás da Relatividade e do Big Bang vai permitir coisas que tu não podes sequer imaginar.


Mário suspira suavemente. “Se bem me lembro, tudo isto vinha a propósito da idade do Universo. Imagino que tenhas alguma brilhante explicação para o conflito entre a idade das estrelas e a idade cosmológica... porque criticar sem ter uma explicação melhor é muito fácil...


Mário, vais perceber como duas idades podem ser quase iguais e largamente diferentes... e esta é só a primeira das coisas espantosas que irás descobrir esta noite.

 

publicado por alf às 18:16
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7 comentários:
De Metódica a 25 de Agosto de 2008 às 23:07
Ora viva!
Hum... grandes revelações... cheguei mesmo a tempo :)
De alf a 26 de Agosto de 2008 às 01:57
Olá metódica.. tenho estado à espera que acabem as férias rsrsrs.. o pior é que agora vou eu... será que «férias» vai rimar com «posts»?

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